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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tá a acordar p'ra vida




Eu juro que ando a fazer um esforço sobrenatural para ser, no mínimo, correcta com os outros.
Até defendo a teoria de que ninguém nasce com mau carácter. A sério! Insisto estupidamente que a vida transforma e tal, que a pessoa é assim e assado porque isto ou aquilo. E escarafuncho até encontrar a causa, canso-me a defender e arranco os cabelos para justificar.

Ai que trabalheira!! Que cansaço!!
Para chegar à conclusão que a minha primeira impressão estava certa, que invento pessoas que não existem e que lugares cativos na minha vida só tem quem EU escolho. É que depois, uma vez que se faz luz, pareço um farol e pronto, a coisa dá-se. É que nem vale a pena. Ohhhhhhh...morreu!!!!

Portanto(s) pessoas, comprem espelhos, façam psicanálise, afoguem-se... e, porr favor, não mostrem mais do mesmo porque já conheço. Não, obrigada. É que nem quero saber.

Além disso qualquer semelhança entre mim e a Madre Teresa de Calcutá, é mera coincidência.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Horário do fim






morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"


Ode à tristeza




Eu canto esta alegria

(entristecida)

de tanto te lembrar

e ser saudade




E a minha voz é forte

timbrada de dias

e distâncias

com as palavras todas mastigadas


(E se tristeza tenho

que me reste

não me julgues parada

ou indecisa

Cristalizei meus olhos de chorarem

e o meu olhar é firme,

certeiro ao teu encontro)


Eu canto esta alegria

de segredar-me ao vento

e seguir viagem


em direcção de ti





leve

impensada

informe

e num fluir de aragem

ser transformada em ar

Pedaço que respiras.

E nos meus dedos mansos

- veludos que pisaram

teu corpo em movimento-

vou amarrar o tempo

as letras do teu nome


E depois morrer.

Eu canto esta alegria

de saber-te


Manuela Amaral in Esta Coisa Quase Vida - 1993 Fora do texto

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Para ela ( ! )


Tenho comigo uma particularidade que não percebo mas que já assumo ser minha, portanto não questiono. Aceito.

Amo pessoas de forma estranha.
Estranhamente amo o meu avô materno, delirei e enternecí-me com as estórias que os filhos contavam, que a minha mãe conta, admiro-lhe o carácter a doçura de um pai de 7 filhos, a persistência e até as fraquezas..
Gosto de secretamente imaginar que lhe herdei algumas destas coisas.
Nunca o conheci. Partiu muito antes de eu nascer.

Amo a minha irmã/irmão. Imagino como seria sermos iguais, cúmplices, amigas (os). Sinto que me acompanha e protege. Partilhámos o mesmo útero ao mesmo tempo.
Nunca a (o) vi. A minha mãe abortou e fiquei eu. Chego a supor, como justificação para o meu pavor ao abandono e solidão, que a causa é essa. Separámo-nos abruptamente. Fiquei cá. Sózinha.

Amo pessoas de quem me falam com paixão, pessoas que são importantes na vida de outras que amo e conheço. Torno-as um bocadinho minhas, através de descrições, pelas demonstrações de carinho relatadas, pela generosidade.

Só vi uma fotografia. Só ouvi estórias. Apercebí-me da grandeza e do amor.

E também a amo.

Quero saber-te livre.
De mim para ti, voa um beijo.


sábado, 19 de maio de 2012

Hoje é o dia




Consegui no mesmo dia magoar as duas pessoas que mais amo neste mundo e só me apetece fugir, de mim.

Há fases em que o meu pior lado se manifesta de tal forma que me faz desacreditar de tudo na vida.
Sou impaciente, odeio chantagens emocionais e sinto-me sem estrutura para aguentar e compreender. Não suporto tanta superficialidade, tanta pretensão, tanta coisa oca.
Evaporou-se a sensatez, generosidade, compaixão...
Sou má pessoa, a sério. É meu o problema. E vou endurecendo a carapaça.

Um dia não tenho fé no amor, na amizade, no futuro, nos outros, em mim em nada...
Hoje é o dia!

Tenho o meu cão aninhado no meu colo.
Posso ter uma réstia de esperança.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O que é que ele disse?







Longe vai o tempo do canal 18 (que não tinha) e do "si cariño" (que não vi) mas que todos comentavam e ficou para sempre no nosso imaginário.

Quando imagino apaixonar-me (ou outra coisa qualquer) por alguém que não fale a mesma língua que eu, entro assim numa espécie de filme de terror, imaginado produzido e dirigido por mim. Perigosíssimo.
Será que chamam pela mãe? Ou são católicos e chamam por Deus? E vou entender alguma coisinha? E que digo se me apetecer?
Por muito universal que seja o amor, a sério, não consigo imaginar um final feliz para uma história destas vivida na primeira pessoa. Morria a rir, porque tem de ser no mínimo constrangedor. Que me desculpem  todos os que viveram a experiência.

E tudo porque esta manhã um gajo passou por mim (muito por mim) e me sussurrou:

"Hermosa !!"

Percebi, mas fiquei sem pinga de sangue.

domingo, 6 de maio de 2012

Quero ser pequena (a máquina era de costura)



Quando Eu For Pequeno

Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

Quando eu for pequeno, mãe,
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.

Quando eu for pequeno, mãe,
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.

Quando eu for pequeno, mãe,
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
[pequeno
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

José Jorge Letria, in "O Livro Branco da Melancolia"


sábado, 5 de maio de 2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012




A Prisão do Orgulho


Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro
é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"